02 de novembro de 2023
Por Ana Carolina Carvalho de Oliveira, Camila Micheletti Flores, Fernanda Messias Moretti, Gabriela Fernandes Nabuco de Araujo, Patricia Lima Rego e Flávio Rocha de Oliveira (Imagem: State Department Photo by Freddie Everett/ Public Domain)
O confronto entre Israel e Palestina é um dos mais longevos no Oriente Médio, caracterizando-se como uma das questões geopolíticas mais complexas da atualidade. Uma escalada do conflito ocorreu em 7 de outubro de 2023, quando o grupo de Resistência Islâmica, Hamas, lançou uma ofensiva aérea e terrestre contra Israel, que declarou ‘estado de guerra’ e o contra-atacou. Diante do cenário calamitoso, os EUA e o Brasil vêm ganhando força midiática como possíveis mediadores do conflito.
O Brasil, em outubro, assumiu a presidência rotativa do Conselho de Segurança das Nações Unidas, órgão de maior importância na Organização Internacional, responsável pela mediação da paz e segurança internacional. Dessa forma, assumindo a histórica posição pacifista, o Brasil propôs a primeira resolução formal para a guerra, condenando as ações cometidas pelo Hamas, a liberação de civis e um apelo humanitário a fim de proteger ambos os lados da Faixa de Gaza.
No entanto, apesar dos elogios prestados à resolução brasileira e dos 12 votos favoráveis dos 15 países membros do Conselho, a proposta foi barrada. Dentre os países que não se abstiveram, somente os EUA votaram contra a proposta e, pelo país ser um membro permanente do Conselho de Segurança com poder de veto, a resolução não foi aprovada. Para os Estados Unidos, o ‘cessar-fogo humanitário’ sugere que Israel não teria direito de se defender, o que é inadmissível por parte da Casa Branca, aliado histórico dos israelenses. A votação ocorreu quando o presidente estadunidense Joe Biden estava visitando Estado Judeu, demonstrando uma postura de solidariedade absoluta aos israelenses.
O momento atual no Oriente Médio é mais um episódio de décadas de tensões e conflitos entre Israel e Palestina. Para compreender a atual conjuntura e os motivos que levaram às hostilidades, assim como as decisões tomadas por países que podem influir na atual fase da disputa (Brasil, Estados Unidos, Arábia Saudita, China e Rússia, por exemplo) é necessária uma breve recapitulação histórica desta questão.
O cerne da desavença é a reivindicação do território por grupos judeus e árabes, e que é acrescido de ideologias políticas e religiosas e dos interesses geopolíticos e econômicos das grandes potências globais na região, o que aumenta a complexidade do confronto. A partir da I Guerra Mundial, cresce o movimento sionista na Europa, que inicia um processo de envio de judeus europeus para a Palestina, majoritariamente ocupada por populações árabes e por populações hebraicas que lá viviam. Um detalhe importante: os judeus que já viviam na região não eram sionistas.
Devido à sua localidade, com acesso ao Mar Mediterrâneo e à nascente do Rio Jordão, a região da Palestina é milenarmente disputada. Após a Primeira Guerra Mundial, o Império Britânico estabelece a região como um Mandato e teria, entre outros objetivos, a missão de preparar as populações locais para a autodeterminação.
Entretanto, a administração britânica não concedeu espaço para que o povo árabe, população dominante na região, assumisse o governo. Pelo contrário, favoreceu a instalação de colônias judaicas na região, modificando a demografia e a relação entre árabes e judeus. Como resultado,aumenta a resistência dos árabes palestinos, o que leva a uma escalada de conflitos: essas populações locais começaram a enxergar o fluxo maciço de judeus como uma ameaça ao seu território e cultura.
Depois da II GM, e como um efeito direto do Holocausto praticado pelos nazistas contra o povo judeu, especialmente na Europa Oriental, inicia-se uma maciça migração judaica para a Palestina, que culmina com a criação do Estado de Israel, que contou com o apoio de EUA e URSS e que teve um voto decisivo do Brasil a favor na Assembléia Geral da ONU em 1947.
Graças ao aumento das tensões entre árabes e judeus na região, a Grã – Bretanha encerra seu mandato na Palestina, e propõe em 1947 a partilha do território criando dois Estados: um árabe e outro judeu. Essa proposta foi aprovada na Assembleia Geral da ONU de 1948, reservando 56% do território para os judeus, e 44% para os árabes. Vale lembrar que a aprovação ocorreu sem prévia discussão com a população dominante da região, os árabes palestinos, de forma que a divisão ocorreu de forma arbitrária.
Em 1948, 1967 e 1973, ocorreram três grandes guerras entre Israel e uma coligação de países árabes, repercutindo nas relações internacionais do século XX. A última delas, em 1973, levou ao primeiro choque do petróleo e viu o envolvimento decisivo dos EUA como uma potência aliada de Israel e protetora da Arábia Saudita por conta da centralidade dessa última na produção mundial de energia. Em todos esses confrontos, a população árabe que mais perdeu foi, justamente, a palestina.
Os EUA passam a enxergar Israel como principal defensor dos interesses do Ocidente na região. As relações entre EUA e Israel fortaleceram-se durante a Guerra Fria, e no século XXI, isso se reforçou por conta da chamada Guerra ao Terror. O avanço das ideologias de extrema-direita nos EUA e em Israel, especialmente durante as Eras Trump e no governo de Benjamin Netanyahu, aproximaram mais fortemente os dois países na última década. Durante sua presidência, Donald Trump foi o primeiro líder estadunidense a visitar o Muro das Lamentações e reconheceu Jerusalém como a capital de Israel, o que marginalizou mais ainda a posição dos palestinos.
Embora Joe Biden, agora presidente, tenha o interesse de reestruturar as relações entre os países árabes e Israel, os ataques do Hamas fizeram com que o presidente adotasse uma postura de apoio incondicional ao Governo Netanyahu. Enquanto os outros países da comunidade internacional condenam as reações de Israel, como os bombardeios e cortes de insumos básicos à região da Palestina, os EUA enviaram caças F-15E e jatos de ataque ao solo A-10 para a região do Oriente Médio, assim como apoia diplomaticamente o Estado Judeu.
A complexidade da questão se acentua ainda mais tendo em vista a guerra de narrativas assumida por ambos os lados, uma vez que tanto Israel e seus aliados, como o Hamas reivindicam auto-defesa. Fundado em 1987, o Hamas é um movimento de resistência islâmica que comanda a Faixa de Gaza, muito conhecido pela sua resistência armada contra Israel. O grupo foi fundado pelo Sheik Ahmed Yassin, um ativista da Palestina que organizava trabalhos de caridade tanto na Cisjordânia, como em Gaza, territórios ocupados por Israel depois da Guerra dos Seis Dias em 1967. Entretanto, com a saída de Israel em 2005, o grupo tem controlado este último desde então. Em 2006, Hamas venceu as eleições legislativas, derrotando seu opositor, Fatah, que, por sua vez, não aceitou a derrota e continuou governando a Cisjordânia.
Ao longo de mais de 70 anos, o povo palestino tem vivenciado uma série de eventos traumáticos, incluindo deslocamentos, conflitos e ataques por parte de Israel. Isso levou muitos a defenderem a causa palestina e a considerarem o povo palestino como vítima de uma situação de longa data. Enquanto o Hamas é frequentemente criticado por seus métodos e táticas, algumas pessoas argumentam que a organização se posiciona como uma defensora dos direitos do povo palestino, buscando resistir à ocupação israelense e buscar uma solução para a questão palestina defendendo a autodeterminação e a criação de um Estado Palestino através da resistência armada.
Vale lembrar, no entanto, que ataques a alvos civis e crimes de guerra são altamente condenáveis e contrárias às leis que regem a comunidade internacional, pautadas no direito internacional e visam como fim a paz entre as nações. Aspirando perseguir esse objetivo em comum o Brasil apresentou, no Conselho de Segurança das Nações Unidas, como proposta a libertação imediata de todos os reféns no conflito, a não-privação de elementos básicos e essenciais à população civil, como água, eletricidade, comida e remédios, e requisitou acesso humanitário para o fornecimento de tais elementos e para a prestação de serviços essenciais.
Além disso, em busca de manter sua posição em prol do multilateralismo e do pacifismo, a resolução brasileira exigia, das duas partes, um cessar-fogo, encorajando corredores humanitários e reiterava a importância de evitar o agravamento do conflito no Oriente Médio, ao mesmo tempo que condenava os ataques do grupo islâmico Hamas contra todos os civis. Entretanto, os termos da resolução foram considerados inaceitáveis para a Casa Branca, que sugeriu que a proposta devia incluir o direito de Israel à autodefesa. O intenso lobby estadunidense, que sugeria inclusive o adiamento da votação da proposta brasileira, pressionou o Itamaraty a substituir “cessar fogo” por “pausa humanitária”.
As pressões demonstram que a mediação do conflito pode refletir ambições de países com interesses na região, uma vez que a mudança no texto gerou protestos de outra potência, a Rússia, que exige que o termo “cessar fogo” retorne para o texto da resolução.
Apesar das tensões que rondavam a proposta brasileira, a resolução foi bem aceita no Conselho de Segurança. No entanto, tendo em vista o aumento das tensões mundiais, com destaque para Guerra da Ucrânia, que também conta com apoio estadunidense, o veto dos EUA enfrentou críticas de diversos países e organizações que encorajavam o fim do conflito.
O representante da França no CSONU, Nicolas de Rivière, lamentou o veto da resolução e reforçou o dever do cumprimento das leis humanitárias internacionais, visando a segurança e proteção dos civis. Já Zhang Jun, da China, declarpu que o veto é “simplesmente inacreditável” e que o Conselho de Segurança não deve ficar parado, devido à rápida escalada do conflito em Gaza.
Assim, ao assumir tal posicionamento, as pressões sobre os Estados Unidos e o CSNU aumentam para que haja um cessar-fogo no conflito, em razão das crescentes tensões que passaram a envolver também outros países no Oriente Médio, como o Líbano, e grupos não-estatais, como o Hezbollah, apoiado pelo Irã. Diante desse cenário, fica evidente que os Estados Unidos serão contrários a qualquer proposta que tenha como fim solucionar a guerra mas que não tenha em seu corpo aquilo que considera como os direitos de Israel.
A comunidade internacional teme que o veto dos EUA acentuam as tensões globais desestabilizem ainda mais a região e o mundo, visto que sua posição no CSNU remonta críticas à estrutura da ONU, justamente em um cenário de crise do multilateralismo. Além disso, também há o temor de que o adiamento da resolução do conflito arraste diretamente para a guerra outros países, como o Irã.
Em contrapartida, os Estados Unidos apresentaram uma nova resolução para o fim do conflito. Nela, os norte-americanos enfatizaram que, além da condenação do Hamas, haveria o esforço em impedir que o grupo obtivesse o apoio internacional e reforçou a posição de que Israel possui direito de autodefesa pelos ataques cometidos a partir do dia 7 de outubro.
Além disso, outra grande discrepância desta resolução quando comparada com a resolução oferecida pelo Brasil se estabelece em relação ao caráter do texto. A resolução estadunidense concentra seus esforços em criticar o terrorismo, enquanto a do Brasil orientava para a necessidade de assistência humanitária principalmente na Faixa de Gaza, onde a população enfrenta escassez de todos os recursos. A assistência humanitária nesse no documento apresentado pelos EUA, por sua vez, orienta de modo marginal que “[caso seja necessário] deve-se explorar passos adicionais, como uma pausa humanitária ou de um corredor humanitário”.
Essa nova proposta de resolução evidencia um caráter ofensivo em que traz Israel como um agente ativo para penalizar o Hamas pelos ataques cometidos, uma vez que há uma clara denúncia contra o grupo na moção.
Depois da contraproposta, a posição dos EUA como pró-israelense ficou ainda mais definida. Países simpatizantes à causa palestina não ficaram contentes com a declaração, caso, principalmente, do Irã, que se vê ameaçado por Washington numa eventual escalada do conflito.
Com todo o jogo diplomático em curso, capitaneado pelos EUA, e com suas propostas sendo torpedeadas por Washington, o Brasil passou a presidência do Conselho para a China no final de outubro. Resta observarmos as próximas etapas da diplomacia internacional nas próximas semanas e, fato mais importante, enquanto os civis palestinos na Faixa de Gaza são bombardeados indiscriminadamente pelas forças israelenses.